Tuesday, October 31, 2006

A CARTA SEM RESPOSTA

CARTA ABERTA AO ENGENHEIRO

JOSÉ SÓCRATES

Esta é a terceira carta que lhe dirijo. As duas primeiras motivadas por um
convite que formulou mas não honrou, ficaram descortesmente sem resposta. A
forma escolhida para a presente é obviamente retórica e assenta NUM DIREITO
QUE O SENHOR AINDA NÃO ELIMINOU: o de manifestar publicamente indignação
perante a mentira e as opções injustas e erradas da governação.

Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia, que ultimamente
ganhou forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os funcionários
públicos seriam os responsáveis primeiros pelo descalabro das contas do
Estado e pelos malefícios da nossa economia. Sendo a administração pública a
própria imagem do Estado junto do cidadão comum, é quase masoquista o seu
comportamento.

Desminta, se puder, o que passo a afirmar:

1.º Do Statics in Focus n.º 41/2004, produzido pelo departamento oficial de
estatísticas da União Europeia, retira-se que a despesa portuguesa com os
salários e benefícios sociais dos funcionários públicos é inferior à mesma
despesa média dos restantes países da Zona Euro.

2.º Outra publicação da Comissão Europeia, L´Emploi en Europe 2003, permite
comparar a percentagem dos empregados do Estado em relação à totalidade dos
empregados de cada país da Europa dos 12. E o que vemos? Que em média nessa
Europa 25,6 por cento dos empregados são empregados do Estado, enquanto em
Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ou seja, a mais baixa
dos 12 países, com excepção da Espanha.

As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro, respectivamente 32 e 32,6 por
cento. Se fosse directa a relação entre o peso da administração pública e o
défice, como estaria o défice destes dois países?

3º. Um dos slogans mais usados é do peso das despesas da saúde. A insuspeita
OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante é de 1458. Em
Portugal esse gasto é . 758. Todos os restantes países, com excepção da
Grécia, gastam mais que nós. A França 2730, a Austria 2139, a Irlanda 1688,
a Finlândia 1539, a Dinamarca 1799, etc.

Com o anterior não pretendo dizer que a administração pública é um poço de
virtudes. Não é. Presta serviços que não justificam o dinheiro que consome.
Particularmente na saúde, na educação e na justiça. É um santuário de
burocracia, de ineficiência e de ineficácia. Mas infelizmente os mesmos
paradigmas são transferíveis para o sector privado. Donde a questão não
reside no maniqueísmo em que o Senhor e o seu ministro das Finanças caíram,
lançando um perigoso anátema sobre o funcionalismo público. A questão reside
em corrigir o que está mal, seja público, seja privado. A questão reside em
fazer escolhas acertadas. O Senhor optou pelas piores. De entre muitas
razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe aponte duas:

1.º Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos têm-se dito
barbaridades . Como é sabido, a taxa social sobre os salários cifra-se em
34,75 por cento (11 por cento pagos pelo trabalhador, 23,75 por cento pagos
pelo patrão ).

OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PAGAM OS SEUS 11 POR CENTO.

Mas O SEU PATRÃO ESTADO NÃO ENTREGA MENSALMENTE À CAIXA GERAL DE
APOSENTAÇÕES, COMO LHE COMPETIA E EXIGE AOS DEMAIS EMPREGADORES, os seus
23,75 por cento. E é assim que as "transferências" orçamentais assumem
perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem formas de sugar
os dinheiros públicos.

Por outro lado, todos os funcionários públicos que entraram ao serviço em
Setembro de 1993 já verão a sua reforma ser calculada segundo os critérios
aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase metade dos
activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma década.

Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para artífice das
iniquidades que subjazem á sua política o ministro Campos e Cunha, que não
teve pruridos políticos, morais ou éticos por acumular aos seus 7.000 Euros
de salário, os 8.000 de uma reforma conseguida aos 49 anos de idade e com 6
anos de serviço. E com a agravante de a obscena decisão legal que a suporta
ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio fazia parte.

2.º Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e ignorou a economia.
Foi ao arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos seus encantos,
baixou-os em 4 pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha em 3,2.

3º Por outro lado, fala em austeridade de cátedra, e é apologista juntamente
com o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, da implosão de uma
torre ( Prédio Coutinho ) onde vivem mais de 300 pessoas. Quanto vão custar
essas indemnizações, mais a indemnização milionária que pede o arquitecto
que a construiu, além do derrube em si?

4º Por que não defende V. Exa a mesma implosão de uma outra torre, na
Covilhã ( ver ' Correio da Manhã ' de 17/10/2005 ) , em tempos defendida
pela Câmara, e que agora já não vai abaixo? Será porque o autor do projecto
é o Arquitecto Fernando Pinto de Sousa, por acaso pai do Senhor Engenheiro,
Primeiro Ministro deste país?

* Por que não optou por cobrar os 3,2 mil milhões de Euros que as
empresas privadas devem à Segurança Social ?

* Por que não pôs em prática um plano para fazer a execução das dívidas
fiscais pendentes nos tribunais Tributários e que somam 20 mil milhões de
Euros ?

* Por que não actuou do lado dos benefícios fiscais que em 2004
significaram 1.000 milhões de Euros ?

* Por que não modificou o quadro legal que permite aos bancos, que
duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento de impostos
?

* Por que não renovou a famigerada Reserva Fiscal de Investimento que
permitiu à PT não pagar impostos pelos prejuízos que teve no Brasil, o que,
por junto, representará cerca de 6.500 milhões de Euros de receita perdida ?

A Verdade e a Coragem foram atributos que Vossa Excelência invocou para se
diferenciar dos seus opositores.

QUANDO SUBIU OS IMPOSTOS, QUE PERANTE MILHÕES DE PORTUGUESES GARANTIU QUE
NÃO SUBIRIA, FICÁMOS TODOS ESCLARECIDOS SOBRE A SUA VERDADE.

QUANDO ELEGEU OS DESEMPREGADOS , OS REFORMADOS E OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
COMO PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE COMBATE AO DÉFICE, PERCEBEMOS DE QUE TEOR É
A SUA CORAGEM.

Assina,
Santana Castilho (Professor Ensino Superior)
________________________________

Tribunal de Contas - Portugal
Av. da República, Nº65
1050-159 Lisboa

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